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Mackie sobre o argumento do Bem maior


Dentre as respostas mais comuns ao Problema do Mal (“Se Deus é bom e onipotente, então porque o Mal existe?”), está a idéia de que os males no mundo estão aqui com vistas a um bem maior. É fácil citar um bocado de exemplos para isso: a pessoa que aceita passar por um tratamento médico difícil e doloroso com vistas a uma melhora futura da saúde, um professor como eu que passa um bocado de trabalhos no feriado com vistas ao maior engrandecimento intelectual do aluno 🙂 e, como Mackie mesmo salienta, o próprio fato da percepção da dor, que é um mecanismo que permite a sobrevivência do indivíduo. Nem todo caso se encaixa tão bem nessa resposta e começa a ser necessária uma ginástica para entender como aquilo se justifica em vista de um bem maior. É o caso de entender por que uma criança de dois anos pode ser acometida por uma terrível doença fatal ou em que um terremoto nível 9, seguido de um tsunami e uma catástrofe nuclear pode ajudar no nosso desenvolvimento como pessoa. A resposta padrão nesse caso é suplementar a resposta do bem maior com a idéia de que Deus cria uma “corrida de obstáculos” para ajudar na nossa evolução como pessoas. Isso tem um bocado de problema que eu vou abordar em outro post e ainda me deixa pensando que danado de bem maior foi esse na História da Humanidade que não poderia ter sido atingido senão através de toda a bagaceira da Segunda Guerra Mundial, com o Holocausto e o bombardeio atômico do Japão…

Em todo caso, John Mackie tem uma resposta a esse argumento que parece bem no ponto:

Verdades como estas são familiares e óbvias; mas elas também são totalmente irrelevantes. Pois, dado que todas elas concernem a relações causais, nas quais algo considerado um mal é visto como sendo um meio causalmente necessário  para, ou como um resultado ou acompanhamento de, algo que pode ser visto como um bem maior e que contrabalança aquele mal, elas somente explicam porque agentes cujo poder é limitado por leis causais independentemente existentes podem racionalmente tolerar o mal em vista do bem que o acompanha. Mas Deus, por hipótese, não é um tal agente. Se a onipotência significa alguma coisa, ela significa o poder sobre leis causais. Se há um criador onipotente, então se há alguma lei causal, ele deve tê-la feito, e se ele ainda é onipotente ele deve poder ser capaz de passar por cima delas. Se há um Deus, portanto, ele não precisa usar meios para  atingir seus fins. Então é inútil referir, em uma teodicéia, a quaisquer relações meio-fim, ou em geral causais, ordinárias, factuais.

MACKIE, J.L.; The Miracle of Theism p.152-153